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A SÓLIDA SINGELEZA DE UMA ÁRVORE

  • Foto del escritor: geopam
    geopam
  • 17 jul
  • 4 Min. de lectura

Actualizado: 21 jul

Andréa Doré

Universidade Federal do Paraná, CNPq | GEOPAM

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Luís Teixeira foi um importante cartógrafo português e seu filho, João Teixeira Albernaz I, e bisneto, o Albernaz II, também fizeram muitos mapas sobre o Brasil e outras partes do mundo.


Luís, ao que tudo indica, foi o único que esteve no Brasil. Há um roteiro, intitulado Roteiro de Todos os Sinais, a ele atribuído e datado entre 1586 e 1590. Ele indicava toda a costa e sinais para a navegação ao longo do litoral do Brasil. Sua descrição começa no litoral norte, percorre a costa até o Cabo de Santo Agostinho, ponto mais oriental da costa, e termina no Estreito de Magalhães.


Em uma certa altura, escreve:


para saber que estou bem navegado verei um morro alto redondo com uma árvore em cima... chama-se o morro de São Paulo; e deste morro que por sinal tem a arvore até a cidade do Salvador há 12 léguas.


Muitas coisas nessa pequena frase.


Primeiro a ineficácia dos nomes que os portugueses davam aos lugares. Rios, montes, montanhas, baías, depois vilas e cidades com nomes de santos ou dias importantes da história bíblica não ajudavam a identificar esses lugares. Essa prática, que queria indicar a tomada de posse em várias camadas – dar nomes europeus e converter os espaços ao cristianismo – era muito diferente da forma de nomear adotada pelos povos indígenas que já habitavam as terras.


Os antropólogos explicam que os nomes geográficos são expressões do caráter mental de cada povo. Isso vale para os Kwakiutl, estudados por Franz Boas, e para os grupos indígenas do tronco linguístico tupi encontrados em todo o litoral do Brasil, que adotam nomes descritivos para falar dos rios e das montanhas. Mas tanto para esses povos quanto para os europeus, podemos dizer, com Boas, que a “forma de cada linguagem limita o alcance de termos que podem ser cunhados”. Para fim de localização, no entanto, os termos tupi, numerosos tanto no litoral quanto no interior, são mais eficientes. Podem descrever uma produção característica, como é o caso do rio que se chama “guaratubi”, que “significa água de goraces que é um peixe vermelho e tem muito disso lá” (p. 28). Ou exprimem as características do objeto, como “batu-cabaru”, monte que serve de cavalo às nuvens ou “para-hy-tinga”, rio de água branca ou Ytapoã, “que significa pedra levantada” (p. 30).).


Também nesse trecho vemos um jeito curioso de indicar um caminho. Luís Teixeira se coloca na pele de seu leitor/piloto, porque já esteve no seu lugar, e diz “para saber se estou bem navegado, verei...”. Pede ao seu futuro leitor que também confie no olhar daquele que viajou.


E aí encontramos uma árvore.


Luís Teixeira esteve no Brasil em algum momento entre 1573 e 1578, porque sabemos que foi durante o governo de Luís de Brito de Almeida. Voltou então a Portugal e seu roteiro é datado entre 1586 e 1590. Assim, cerca de 15 anos depois de sua viagem, ele ensina aos futuros navegadores que, ao atravessarem o oceano Atlântico - o mar que somente havia algumas décadas tinha deixado de ser “o tenebroso” -, e chegarem próximos à então capital do Estado do Brasil, Salvador, na Bahia de todos os Santos, deveriam procurar “um morro alto redondo com uma árvore em cima”. No mapa referente a esse trecho da costa, junto ao “Morro de São Paulo” e aos “arrecifes da cruz”, está desenhado um morro com uma árvore solitária.


Que tempos eram esses em que se esperava que uma árvore resistiria a tantos anos de chuvas e tempestades tropicais e, mais do que tudo, aos homens? A sólida singeleza dessa árvore era um sinal seguro para os que observavam do mar. Indicava a entrada da baía. Ela também faz pensar em outras árvores capazes de nos servir de ponto de referência. Podem ser árvores do nosso passado, que nos remetem a casas onde vivemos, lugares onde passamos as férias. Não visitamos mais esses lugares, mas a lembrança dessas árvores nos traz outras lembranças. Ela é o ancoradouro, seguro, de outras memórias.


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Pie de imagen: Roteiro de todos os sinaes conhecimentos, fundos, baixos, Alturas, e derrotas, que ha na Costa do Brasil desdo Cabo de Santo Agostinho até o estreito de Fernão de Magalhães. Atribuído a Luís Teixeira. Ms. 51-IV-38 da Biblioteca da Ajuda, Lisboa, fl. 7.


Para os curiosos


Podem ler mais sobre as referências mencionadas em:


☞ Franz Boas. Geographical names of the Kwakiutl Indians. New York: Columbia University Press, 1934.


☞ Teodoro Sampaio. O tupi na geografia nacional.  5º ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1987. (a primeira edição é de 1901).


☞Luís Teixeira (o roteiro é atribuído a ele). Roteiro de todos os sinaes conhecimentos, fundos, baixos, Alturas, e derrotas, que ha na Costa do Brasil desdo Cabo de Santo Agostinho até o estreito de Fernão de Magalhães. Reprodução fac-similar do ms. 51-IV-38 da Biblioteca da Ajuda. Edição preparada por Max Justo Guedes. Rio de Janeiro: INL, 1968. A menção à árvore está na p. 34.


☞Andréa Doré.  “Cartógrafos portugueses representan ríos y montañas: señales de riquezas y puntos de referencia en las tierras de Brasil”. Revista Nuevo Mundo. Mundos Nuevos, 2020. https://doi.org/10.4000/nuevomundo.81382


Sobre a autora


Sou professora no Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, em

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Curitiba. Tenho estudado as descrições geográficas, em mapas e em textos, na Época Moderna, considerando sempre que as descrições ocultam enquanto explicam. Podem me encontrar em andreadore6@gmail.com














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